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À primeira vista, quando falamos de combate à corrupção, pensamos num trabalho que tem como objetivos primários a identificação e punição dos responsáveis, gerando uma devolução de dinheiro. Quanto maior a devolução, mais bem sucedido é considerado o resultado.

Diversas instituições realmente adotam esse tipo de abordagem, conhecida como top-bottom: foco em investigar os casos que têm mais chance de retornar a maior quantidade de dinheiro aos cofres públicos. Nela, é bem mais preferível investir o tempo de auditores em um caso com indícios de desvio de verba no valor de R$ 50 milhões — mesmo que tome anos de investigação e julgamento — do que dedicar tempo e dinheiro para montar um dossiê acusando um agente público de ter levado R$ 500 indevidamente.

A Operação Serenata de Amor tem a abordagem oposta, a bottom-up: focamos nas pequenas atitudes, com pequeno dano ao patrimônio, com o entendimento de que o desvio de milhões é feito por alguém que começou se apropriando indevidamente de poucos reais, muitas vezes sem entender como inadequado ou ilegal.

Não existe mágica no investimento: para que o processo custe mais barato, precisamos não depender dos mesmos mecanismos de denúncia. Muitos poderiam considerar até imoral mobilizar dezenas de servidores públicos para investigar, denunciar e julgar o uso do dinheiro público que pagou apenas uma cerveja, mesmo que indevidamente.

Nossa estratégia é pulverizar a investigação e denúncia de casos. Enquanto desenvolvemos uma plataforma de software capaz de descobrir boas suspeitas, contamos com milhares de voluntários para fazer pressão pública e gerar devoluções de dinheiro, quando apropriado. Dessa forma, os cidadãos participam ativamente, demonstrando por redes sociais quando o político está ou não representando a população em suas ações. É algo que consideramos muito mais poderoso do que apenas gerar devolução de dinheiro. Mostramos que qualquer um tem poder de causar mudanças a longo prazo na Política do país.

Até semana passada, tínhamos poucas formas de mensurar o impacto que temos, algo que naturalmente reflete na confiança passada aos nossos apoiadores. Entendíamos que não tínhamos boas formas de saber quais parlamentares realmente devolveram dinheiro público depois de denúncias iniciadas pela Serenata. Como divulgamos as suspeitas via Facebook, Twitter, GitHub e Telegram, a forma mais simples de sabermos de uma devolução era quando o próprio político nos mencionava publicamente, apresentando a foto de uma Guia de Recolhimento da União (GRU). Não sendo algo padronizado, tornava muito difícil mantermos o controle. E deixávamos passar as devoluções que o político preferiu não se acusar publicamente ou as que partiram de apoiadores que mandaram um e-mail diretamente à sua assessoria, por exemplo.

No entanto, dias atrás notamos que a Câmara dos Deputados indica, nos seus dados abertos, que um reembolso foi cancelado por um campo chamado numRessarcimento. Se estiver em branco, o dinheiro foi devolvido à Câmara**.**

Essa descoberta, além de nos apontar o valor exato dos reembolsos cancelados desde 2009, nos permite calcular métricas valiosas, como índice de reincidência e aumento no uso responsável da verba pública. Fatores que nos deixam superanimados para trazer mais informação nova em 2018.

Ao todo, 134 deputados federais cancelaram reembolsos de refeições, efetivamente devolvendo R$ 50.569,18 à Câmara dos Deputados, representando 18% dos deputados que fizeram refeições no mandato atual. Vale notar que a Rosie não tuita casos de outros mandatos, o que pode explicar nenhum ex-deputado ter feito qualquer devolução nessa categoria, seja antes ou depois da criação da Operação Serenata de Amor.

Quando colocamos devoluções lado a lado com as suspeitas publicadas no Twitter, é possível enxergar uma relação forte entre ser chamado publicamente para prestar contas via redes sociais e devolver dinheiro aos cofres públicos. Enquanto 193 pessoas tiveram suspeitas discutidas via Twitter (27% dos deputados que passaram pela Casa desde 2015), estes foram responsáveis pela devolução de R$ 39 mil, 78% do montante total.

De 39 deputados que devolveram dinheiro de refeições sem a necessidade de denúncia pública, ao menos iniciada pela Rosie e seu Twitter, Rogério Rosso (DF) tirou do bolso o maior valor: R$ 2.238,50. Dos 95 que não foram tão pró-ativos e o fizeram apenas depois de denúncias, Celso Maldaner (SC) vem na liderança, devolvendo R$ 3.546,66. Nada mal para quem cometeu o equívoco de pedir reembolso por 13 refeições em um mesmo dia.

As razões exatas para as mudanças de comportamento podem ser várias: o deputado pode ter devolvido depois de um tuíte da Rosie, por apoiadores que visitaram o Jarbas e começaram a chamá-lo publicamente, junto de outros anunciados publicamente, ou mesmo pela percepção de que agora existem pessoas monitorando diariamente o seu trabalho.

Dessa forma, não temos a pretenção de falar que a Serenata é a única responsável pelas mudanças, mas temos boas razões para acreditar que temos parte importante nesse movimento de garantir um melhor controle das contas públicas.

Uma refeição de deputado federal, no segundo semestre de 2016, custava em média R$ 58,19; no mesmo período de 2017, o valor diminuiu para R$ 52,98.

Corroborando com a ideia de que fazer controle social ajuda o parlamentar a lembrar de se conter nos gastos, deputados que foram mencionados pela Rosie, questionados e que devolveram dinheiro, diminuíram, em média, o seu gasto em refeições do segundo semestre em R$ 1.086 (2017 comparado com 2016); os outros também diminuíram, mas em apenas R$ 87.

Saber quem devolveu dinheiro e quanto, apesar de não ser nossa métrica principal, nos abre muitos caminhos de monitoramento e engajamento entre Congresso Nacional e população. Queremos saber quem nunca devolveu dinheiro apesar de ter muitas suspeitas, quem foi pego poucas vezes e não voltou a ser denunciado, quem segue sendo denunciado apesar de já ter devolvido bons valores e, é claro, as explicações dos parlamentares.

Como sempre, sintam-se convidados a colaborar com a Operação Serenata de Amor. Parece que funciona.

Para ver como todos os valores foram calculados, usando dados oficiais da Câmara dos Deputados, acesse esse Jupyter Notebook.

Como até o momento a Operação Serenata de Amor é reconhecida pelo foco em notas de refeições de parlamentares, tendo várias análises com este foco, decidimos nos concentrar nesse recorte das devoluções.

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Originalmente publicado em medium.com/serenata em 27 de fevereiro de 2018.